sábado, 22 de abril de 2023

Paisagem

Quero, para compor pastorais com pureza,
Dormir perto do céu que o astrólogo preza,
E, enquanto sonho, ouvir os majestosos hinos
Que o vento faz chegar dos mais próximos sinos.
Queixo assente nas mãos, desde as águas-furtadas
Verei as oficinas p'la voz animadas;
Verei canos e torres (mastros da cidade),
E os grandes céus que apelam para a eternidade.

É tão bom, através das brumas, ver a estrela
Nascer em pleno azul, acender-se a janela,
O rio de carvão subir ao firmamento
E a lua derramar seu frouxo encantamento.
Verei as estações que passam rigorosas;
Mas, o inverno chegando com neves tediosas,
Cortinas e portadas terei de fechar
P'ra meu paço irreal na noite edificar.
Então eu sonharei com azuis horizontes,
Com jardins, e alabastros onde choram fontes,
Com beijos, e com aves cantando sem pausa,
Com tudo o que do Idílio na infância tem causa.
O Motim, na janela trovejando em vão,
Não me há de desviar do papel a atenção;
Pois estarei submerso no imenso prazer
De chamar Primaveras sempre que quiser,
De arrancar ao meu peito um sol, de reduzir
O furor que há na mente a uma brisa a fluir.


Charles Baudelaire