sábado, 26 de agosto de 2023

O Heautontimorumenos

Sem cólera te hei de bater,
Como um talhante, sem ser mau,
Como Moisés ao seu calhau!
Da pálpebra farei verter,

P'ra dar de beber ao meu Sara,
As águas da tua tristeza.
Minha ânsia enfunada em certeza
Nadará no sal dessa cara,

Barco que se afasta no pranto,
E, inebriando o meu coração, 
Teus gemidos retumbarão
Qual tambor que do ataque é canto!

Não sou eu dissonante acorde
Numa divina sinfonia,
Graças à voraz Ironia
Que me sacode e que me morde?

'Stá na minha voz, a chorosa!
Meu sangue é o tóxico negror!
Eu sou o espelho aterrador
Onde se contempla a maldosa.

Sou roda e os membros que subjugo!
Sou tanto face como estalo!
Fico ferido e apunhalo,
Sou vítima e também verdugo!

Sou vampiro a se autonutrir,
– Um desses grandes enjeitados
Ao riso eterno condenados,
E que não podem mais sorrir!

Charles Baudelaire

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