quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Madrigal triste

I
A sensatez não tem vantagem.
Sê bonita! e sê triste! Um pranto 
Ao rosto traz melhor imagem, 
Como o rio faz à paisagem; 
Com mau tempo a flor ganha tanto.
 
Prefiro quando o bom humor
Foge de teu rosto arrasado;
E o peito se afunda em horror;
E o teu presente aceita expor
A nuvem atroz do passado.

Prefiro se o grande olho exala
Água como o sangue abrasante;
Se, a despeito da mão que embala,
Tua dor, tão pesada, estala
Como arquejo de agonizante.

Aspiro, volúpia divina!
Hino tão profundo, deleite!
O gemer que o peito domina;
Teu coração só se ilumina 
Com perlas que teu olho deite!


II
Transborda, eu sei, teu coração
De velhos amor's extirpados;
E, assim, qual forja em combustão,
Teu colo faz incubação
Do orgulho caro aos condenados;

Mas, querida, enquanto o que sonhas
Não for o reflexo do Inferno,
E em pesadelo não te ponhas
Com paixão por gládios, peçonhas,
Por ferro e pó, tudo isso eterno,

E não andes sempre inibida,
Adivinhando em tudo o horrível,
Tremendo em horas sem saída,
P'ra te poder's sentir cingida
Por um Fastio irresistível,

Não poderás, escrava alteza
Que me amas com medo brutal,
No horror de uma noite que lesa
Dizer-me, a alma em gritos acesa:
"Ó meu Rei, a ti sou igual!"

Charles Baudelaire

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