Para poder aproximar-me de dois poemas do autor catalão Joan Navarro, resolvi traduzi-los a partir das versões que o próprio poeta deles fizera para a língua castelhana.
É a primeira vez que me aventuro por idiomas espanhóis, mas asseguro que o resultado das traduções foi debatido com o autor e por ele aprovado.
segunda-feira, 27 de agosto de 2018
quinta-feira, 23 de agosto de 2018
De "Luz cinábrio" (7)
A mansidão das estrelas. O
impercetível movimento
das pedras mudas. Os espinhos
intactos que respiram nas
arestas do caule alado. Agora
digo dor e cresce a casa silvestre
e os bois percorrem a lama sob a
abóbada do céu. Os ácidos diáfanos
enchem os corpos de luz, as zonas
embaciadas da vida.
Agora digo silêncio e estendo o
meu corpo sobre a terra e olho
o avanço das nuvens, o voo da sua
aritmética, o afã
fugitivo do instante que habitam,
as hélices ocultas do vento.
Ao fim da tarde, as nebulosas
pingam sobre o bosque e ardem
as pregas das palavras, o seu rastro,
a raiz do peixe que
será outro peixe, constelação,
noite partida, o branco ruído
do outono que chega enquanto,
lentamente, se desfaz o caminho.
Joan Navarro
Joan Navarro
De "Luz cinábrio" (4)
O ouro efémero da cena. A
vertigem da consciência
ao saber-se consciência, ao
tatear a orografia deste
silêncio, imóvel élitro, acaso do
ritmo que me contempla.
Esquecido de mim, penetro nas
regiões intermédias
do vale cerrado e desenho o
trânsito da respiração,
a apneia da luz, a crista da
perdiz cantora antes
das danças de namoro, as sementes
aladas do ácer.
E porque me falo, posso fazer com
que as coisas poisem no olho
do espírito, e ser contraluz e
curvatura, sombra inerte
e água de baga, prega de riso: anel
do invisível.
E porque me sonho, posso
inventar-me um corpo para me ver,
eu que mal sou, no dorso de todas
e cada uma das palavras.
Joan Navarro
Joan Navarro
segunda-feira, 4 de junho de 2018
De "Uma Coisa Curiosa" (parte i)
Estudos demonstraram que há 3 “géneros” diferentes
de felicidade: básica / sensitiva; interligação / eudemonia;
& propósito mais elevado. A curiosidade mata qualquer um deles.
PRETÉRITO FÍLMICO
diz-se que tudo o que acontece na vida – desejo consciência consciência de si alienação pavor – é na verdade luta de atenção. A mãe estava presente para a bebé, não apenas com ela, ou quando, & então p. ex. tomada em tudo isto com sendo um produto de partículas
talvez conforme cada nuvem passa agora sobre nós, elas sejam as mesmas nuvens, embora diferentes, exatamente como todos obtemos uma segunda oportunidade, agora, às vezes (para cometermos de novo o mesmo erro). A isto se pode chamar marginália
(Certeza-do-Sentido, que começa no Aqui e Agora, & lida com o Isto, o específico): Londres Paris L.A. Nova Iorque tu eu Irreal
a minha presunção encadeada com a tua presunção p.ex. Eurídice sucessivamente desiludida por aquele que ela ama – arrastada para trás através de arcos alteriores – perpetuamente na expectativa. Flocos de temperamento. Encosta perdida. Combate ridículo. Aquiescência inesperada
as regras (do film noir) ditam que a mulher seja predadora mesmo quando ela é incidentalmente natureza
Olá poema
Olá poema
Dás muita despesa
Olá poema
Não me consigo lembrar
Olá poema
Compartimentando o silêncio
Olá poema
Para ser uma mamã responsável é preciso largar-te –
Olá poema
Já não caibo dentro de ti
Olá poema
Já não cabes dentro de mim
Olá poema
Sinto falta de ti!
Olá poema
Sentes falta de mim?
Olá poema
És in-comparavelmente-precioso
Olá poema
Meu velho amigo
Olá poema
Ninguém te pode possuir-comprar com dinheiro
Olá poema
Tu parecer o dinheiro fazes esquisito
Olá poema
Uma destas noites senti-me só. Não estavas à minha beira.
Olá poema
Deste-me pontapés na cabeça até eu acordar!
Olá poema
És um bebé tão carente
Olá poema
Fazemos jogos de silêncio. Tu ganhas!
Olá poema
A minha silhueta delineia-te / persegue-te pelo monte abaixo
Olá poema
Subitamente o trânsito
Olá poema
Almofada de união
Olá poema
Ecolocação de cola
Olá poema
Tu existes! Tu consegues!
Olá poema
Olá poema
Olá poema
Emily Critchley
sábado, 10 de fevereiro de 2018
Ozimândias
Contou-me um viajante de uma terra
Antiga: “Há, no deserto, duas enormes
Pernas de pedra. E a seu lado, na areia
Quase oculto, um quebrado cenho dorme
Cujo lábio franzido p’la soberba
Diz quão bem o escultor a paixão leu
Que em tais destroços ao peito nutriz
E ao remedo da mão sobreviveu.
Um texto ainda se vê no pedestal:
‘O meu nome é Ozimândias, rei dos reis:
Vós, Homens de Poder, desesperai
Ante as minhas obras!’ Porém, a ruína
Desmedida nada mais que um areal
Vasto e vazio tem por companhia.”
Antiga: “Há, no deserto, duas enormes
Pernas de pedra. E a seu lado, na areia
Quase oculto, um quebrado cenho dorme
Cujo lábio franzido p’la soberba
Diz quão bem o escultor a paixão leu
Que em tais destroços ao peito nutriz
E ao remedo da mão sobreviveu.
Um texto ainda se vê no pedestal:
‘O meu nome é Ozimândias, rei dos reis:
Vós, Homens de Poder, desesperai
Ante as minhas obras!’ Porém, a ruína
Desmedida nada mais que um areal
Vasto e vazio tem por companhia.”
Percy Bysshe Shelley
segunda-feira, 15 de janeiro de 2018
Blues para um funeral
Suspendam os tel'fones e os relógios,
Calem o cão, atirem-lhe os melhores ossos,
Abafem os pianos: só um rumorejo
Acompanhe o caixão e o seu cortejo.
Gemam os aviões em círculos no céu
Escrevinhando a mensagem "El' Morreu".
Ao pescoço as pombas tragam laços de luto,
E os polícias usem luvas de algodão 'scuro.
Ele era norte e sul, levante e ocaso,
Tempo de labuta e de descanso,
Noite e dia em conversa ou canção;
Supus que para sempre era o amor: mas não.
Estrelas p'ra quê?, apaguem-nas uma a uma,
Desmontem o sol e arrumem a lua,
Varram do mundo a floresta e o mar;
Pois nada agora existe que possa prestar.
W. H. Auden
Calem o cão, atirem-lhe os melhores ossos,
Abafem os pianos: só um rumorejo
Acompanhe o caixão e o seu cortejo.
Gemam os aviões em círculos no céu
Escrevinhando a mensagem "El' Morreu".
Ao pescoço as pombas tragam laços de luto,
E os polícias usem luvas de algodão 'scuro.
Ele era norte e sul, levante e ocaso,
Tempo de labuta e de descanso,
Noite e dia em conversa ou canção;
Supus que para sempre era o amor: mas não.
Estrelas p'ra quê?, apaguem-nas uma a uma,
Desmontem o sol e arrumem a lua,
Varram do mundo a floresta e o mar;
Pois nada agora existe que possa prestar.
W. H. Auden
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