domingo, 3 de janeiro de 2021

Beijando em vietnamita

A minha avó dá beijos
como se houvesse bombas a rebentar no quintal
onde hortelã e jasmim entrelaçam odores
e os fazem passar pela janela da cozinha,
como se, algures, um corpo estivesse a ruir
e as chamas pudessem regressar
através do emaranhado da coxa de um miúdo,
como se, para transpores uma porta, o teu tronco
tivesse que dançar a dor que as balas fizeram ao sair.
Quando a minha avó dá beijos, nunca
a meiguice é estrepitosa, os lábios não apertam
com música ocidental, ela beija como se quisesse
inalar-te, o nariz comprimido contra a bochecha
para reaprender o teu cheiro
e perlar o teu suor como gotas de ouro
nos seus pulmões, como se, enquanto ela te segura,
também a morte, estivesse a agarrar-se ao teu pulso.
A minha avó dá beijos como se a história
nunca tivesse acabado, como se, algures,
um corpo ainda
estivesse a ruir.


Ocean Vuong