terça-feira, 1 de março de 2022

A uma Madona

Ex-voto à maneira espanhola 

Quero criar p'ra ti, Madona, minha amante,
Um altar enterrado na dor dominante,
E escavar, onde o peito é mais negro e profundo,
Ao abrigo da troça e cobiça do mundo,
Um nicho, todo em ouro e azul esmaltado,
Onde tu te erguerás como Ídolo abismado.
Co'a malha dos meus Versos, um puro metal
Polido até rimar estrelas de cristal,
Tua C'roa farei - será incomparável;
E com o meu ciúme, ó Madona findável,
Saberei preparar-te um Manto, coisa feita
Com dureza e crueldade, forrada a suspeita, 
Que guarita será p'ra encerrar teus encantos;
Não com Perlas bordado, mas com os meus Prantos!
Teu vestido será meu Desejo tremendo,
Ondulando, Desejo subindo e descendo,
Que nos picos baloiça, nos vales repousa,
Veste de um beijo só teu corpo branco e rosa. 
Com meu Respeito vou fazer belo Calçado
De cetim, por teus pés divinos humilhado,
Mas que, ao trazê-los presos num abraço mole,
Lhes guardará a forma como fiel molde. 
Se uma Lua de prata não sei fabricar
Para Degrau, por muito que possa tentar,
Vou depor a Serpente que entranhas devora
A teus pés, p'ra que pises, escarnecedora,
Ó Rainha triunfal, fértil em redenções,
Tal monstro a abarrotar de escarros e aversões.
Pensamentos verás, quais Círios, postos diante
Do altar cheio de flores da Virgem Reinante,
No teto azul brilhando a fim de o constelar,
Enquanto te contemplam com fogo no olhar;
E como nada há que te apouque ante mim,
Tudo será Incenso, Mirra, Benjoim,
E sempre para ti, cume branco e nevoso, 
Em Vapor's subirá meu Juízo tormentoso.

Por fim, p'ra completar teu papel de Maria,
E combinar o amor com toda a barbaria,
Negro gozo! dos Pecados ditos mortais,
Com remorsos de algoz, farei sete Punhais
Bem afiados, e, como um artista iracundo,
Fazendo pontaria ao teu amor profundo,
Todos hei de cravar em teu Peito ofegante,
Em teu Peito gritante, em teu Peito jorrante!


Charles Baudelaire