sexta-feira, 24 de junho de 2022

Nota Nove

Diria que a maior influência que tive como tradutor veio, não da poesia em si, mas da música. Muito em concreto, da música de Mozart.

Quando carrego um texto da margem de uma língua para a margem de outra, tento que o material que sobreviveu à turbulência babélica do rio não tenha perdido os níveis de clareza e simplicidade que tinha na origem.

Pode o material chegar levemente tingido, pode a sua forma ter-se tornado mais análoga do que idêntica, etc., mas aquilo que nele era claro, continua claro, e aquilo que nele era simples, continua simples.

Nota Oito

A convite do escritor catalão Joan Navarro, estou a traduzir o poema "A kumquat for John Keats", do britânico Tony Harrison, para o número de março de 2023 da revista online "sèrieAlfa". O texto só será partilhado neste blogue após a sua publicação na revista.

Constato que, para me ir mantendo fiel ao pentâmetro com que Harrison organizou o seu poema (o que equivale a dez sílabas métricas na versificação em português), vou por vezes eliminando uma ou outra informação que me parece claramente secundária (e que talvez até tenha sido acrescentada ao texto sobretudo para manter a constância do ritmo). Trata-se de uma opção polémica, numa atividade onde tudo é (ou deveria ser!) polémico.

Mas a verdade é que o tipo de traição que pratico (quando exagero, coloco uma etiqueta na tradução dizendo que se trata de uma... "versão") não me parece menor que o daquele tradutor que, para conservar toda a informação semântica do texto original, despreza o ritmo por completo. As questões formais não são o parente pobre de um texto poético.

É claro que me recuso a omitir informação essencial e que luto para que o texto de chegada seja semanticamente equivalente ao global do texto de partida. Mas, neste jogo de puro malabarismo que é a vontade de traduzir, tento equilibrar ao mesmo tempo no ar o maior número de elementos possível.