sábado, 10 de julho de 2021

Hino à Beleza

Provéns do céu profundo ou da sua objeção,
Beleza, se, quando olhas, maldita e sagrada,
Vertes crime e mercê sem fazer distinção,
E assim podes ao vinho ficar comparada?

Conténs no teu olhar a aurora e o ocaso;
Teu cheiro é o da noitinha quando tormentosa;
Teu beijo é uma poção que vem de antigo vaso
Tornando o herói cobarde e a criança corajosa. 

Provéns do abismo negro ou de um astro és a graça?
O Fado as tuas saias segue farejando;
Espalhas ao acaso alegria e desgraça,
E respondes por nada, tudo governando.

Caminhas sobre corpos mortos e humilhados;
Tens, entre as tuas joias, o encanto do Horror;
O Assassínio, um dos teus enfeites mais prezados,
Sobre o teu ventre ufano dança com amor.

O efémero ofuscado voa p'ra ti, vela,
Se crepita e flameja, ainda louva essa chama!
O ansioso que se inclina ante uma mulher bela
Parece um moribundo que seu túmulo ama.

Provenhas tu do céu ou do inferno, que importa,
Beleza, monstro incauto, horrendo, desmedido!
Se teus olhos, sorrisos, pés, me abrem a porta
De um Infinito que amo sem ter conhecido?

Do Diabo ou de Deus, que importa? Anjo ou Sereia,
Que importa, se tu és fada de olhar de veludo,
Ritmo, aroma, clarão, rainha em minha ideia,
Tirando peso ao tempo e repugnância a tudo?


Charles Baudelaire