quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Soneto 126

Ó tu, doce rapaz, que tens na mão
A foice, o incerto vidro que horas dão;
Que, ao contrário daqueles que te amam,
Minguando, tens encantos que mais chamam –
Se a Natura (que tudo, tudo arrasa)
Conforme avanças sempre te retrasa,
Isto faz com o fito de tentar
O lamentável Tempo arruinar.
Mas tem cuidado: se és seu preferido, 
Não serás capital sempre retido!
De prestar contas ela não se esquiva,
E assim, por quitação, de ti se priva.
     (                                                    )
     (                                                    )


William Shakespeare 

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Soneto 124

Paixão que nasça só da situação,
A Fortuna rejeita-a como filha,
Anda ao sabor do Tempo mau ou bom,
Erva entre ervas, ou flor com flor's colhida.
Meu amor fez-se longe do acidente;
Não o abate a servil melancolia, 
Nem o confunde a pompa sorridente,
Tudo coisas que estão na ordem do dia:
Contra a politiquice, essa herege
Que por um curto prazo tudo aluga,
Só a sageza o meu amor elege,
Haja sol, haja chuva, ele não muda.
     Que o confirme quem foi truão do tempo,
     Mau em vida, mas bom no passamento.


William Shakespeare 

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Soneto 121

Antes ser vil que vil considerado 
Quando não ser de ser se recrimina, 
E o justo gozo acaba, que é julgado 
Pelo que outro, e não eu, assim opina. 
Porque hav'ria o impuro de saudar
Meu sangue folião como um igual?
Ou meus fracos alguém mais fraco olhar,
Tomando, em seu ardor, meu bem por mal?
Não, eu sou o que sou, e quem me nota
Abusos é os seus que então calcula.
Não dou minha conduta como torta
P'ra atestar o impudor que outro postula
     Quando reduz assim a realidade:
     Todos os homens reinam na maldade.


William Shakespeare

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Soneto 120

É minha aliada a tua ofensa antiga,
Pois, não sendo os meus nervos de metal,
Por causa dessa dor então sentida
Curvo-me ante o que agora eu fiz de mal.
Se tu foste por mim tão ofendido 
Como eu por ti, do inferno foi teu dano,
E tudo o que em teu crime foi sofrido
Eu ignorei com ócio de tirano. 
Se essa treva tivesse o imo lembrado
Quão sofre um coração todo desfeito,
E, como tu a mim, logo afagado
Com o preciso bálsamo o teu peito!...
    Agora, a falta é troca que atenua;
    A tua a mim resgata, a minha a tua.


William Shakespeare 

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Soneto 116

Não serei eu a ver em sério enlace
Estorvo algum. Amor não era amor
Se, achando alteração, el' se alterasse,
Ou desertasse atrás do desertor.
Oh não!, ele é tão fixo quanto o marco
Que assiste inabalado à tempestade;
É a estrela traçando um rumo ao barco
Que lhe mede a altitude e mais não sabe.
Pode o Tempo ir ceifando a face ufana,
Nem assim faz do amor o seu truão;
O amor não muda à hora ou à semana,
O fim do mundo é a sua obstinação. 
     Se sobre isto a poesia se enganou,
     Nunca escrevi, ninguém jamais amou.


William Shakespeare