domingo, 31 de julho de 2016

A pulga

Repara é nesta pulga, e nisso vê
Quão pouco aquilo que me negas é;
Sugou-me a mim, e agora a ti te suga,
'Stão nossos sangues em união na pulga;
Sabes que isto não pode ser tomado
Como defloração, como pecado,
.....Mas sem fazer a corte ela desfruta,
.....Intumesce de um sangue com origem dupla,
.....Ah, como isso é bem mais do que a nossa conduta.

Pára, três vidas numa pulga poupa,
Onde nós quase... não!, já sup'rámos a boda:
Esta pulga é tu e eu, e tal
É o nosso templo e o nosso leito nupcial;
Estamos, a despeito dos pais e de ti,
Reunidos neste vivo claustro de azeviche.
.....Mesmo se com direito me podes matar,
.....Não queiras, a esse tanto, o suicídio juntar,
.....E o sacrilégio, e assim por três vezes pecar.

Já purpureaste, com crueldade brusca,
Em sangue de inocência a tua unha?
De que pod'ria a pulga ser culpada,
Senão daquela gota que em ti foi sugada?
Todavia tu triunfas, e garantes
Que nenhum de nós dois 'stá mais fraco do que antes:
.....Certo; compreende então o absurdo dos receios;
.....Não terá mais valor, quando a mim te renderes,
.....A honra, que a vida que na pulga tu perdeste.


John Donne

Sem comentários:

Enviar um comentário