domingo, 21 de agosto de 2016

O que a gente diz ao Poeta a propósito de flores

I

Sempre assim, versando o azul negro
Onde fede o mar de topázios,
Funcionará em teu encerro
O Lis dos clister’s extasiados!

No nosso tempo de sagus,
Em que as Plantas criam riqueza,
Bebe ‘inda o Lis desdéns azuis
Nas tuas Prosinhas de igreja!

– A flor-de-lis cara ao monárquico,
Soneto de conservador,
O Lis que, com cravo e amaranto,
É prémio dado ao Trovador!

A gente já não topa os Lírios!
Mas no teu Verso, como em mangas
De Pecadoras de andar fino,
Tremem ainda essas flor’s brancas!

Quando, meu Caro, tomas banho,
Tua camisa de axilas louras
(Sobre os miosótis conspurcados)
Incha co’a brisa das auroras!

O amor submete às tuas outorgas
Só Lilases, – ai que belezas!
Ou então Violetas dos Bosques,
Doce cuspo de Ninfas negras!...


II

Mesmo se tivésseis, ó Poetas!,
As Rosas, as Rosas tufadas,
Em pés de loureiro vermelhas,
E por mil oitavas inchadas!

Se, por BANVILLE elas nevassem,
Rodopiando em sanguinolência,
Pondo negro o olho do estranho
Que lê com má benevolência!

Dos vossos prados e florestas,
Ó fotógrafos de almas mansas!
A Flora é quase tão diversa
Como a das rolhas das garrafas!

Sempre esses vegetais Franceses,
Tinhosos, tísicos, patuscos,
Onde o ventre dos cães bassets
Atraca em paz de lusco-fuscos;

Sempre o desígnio, a imagem sórdida
Do Lótus azul ou do Helianto,
Sempre motivos cor-de-rosa
Para meninas comungando!

Como a janela e a puta é que
A Estrofe e a Ode Açoca calham;
Gordas de brilho, as borboletas:
P’ra os Malmequeres elas cagam.

Velha hortaliça, velho ferro!
Ó vegetativos biscoitos!
Ficções dos Salões de outro tempo!
– Não p’ra crótalos, p’ra besoiros,

Esses chorões a quem Grandville
Teria desenhado ourelas,
Aleitados p’lo colorido
De cruéis astros com viseiras!

Sim, os borrões de vossos pífaros
Produzem glicoses preciosas!
– Em velhos chapéus, ovos fritos,
Açoca, Lis, Lilás e Rosas!...


III

Ó branco Caçador sem meias,
Correndo na Pastagem pânica,
Não te passa pelas ideias
Saber melhor a tua botânica?

A Cantárida ao Grilo ruivo
Temo que suceder farias,
O Rio de ouro ao Reno azul,
Ou às Noruegas as Floridas:

Mas, hoje, já ninguém consente,
Em nome da Arte, – isto é verídico, –
Que um hexâmetro, qual serpente,
Cinja o esplendor de um Eucalipto;

Sim…! É como se os Acajus
Só servissem, mesmo nas Guianas,
P’ra quedas livres de sajus,
Em graves delírios de lianas!

– Em suma, uma Flor, morta ou viva,
Lírio ou Alecrim, chega aos pés
Do excremento da ave marinha?
De uma só lágrima de vela?

– Eu não sou dado a hipocrisias!
Mesmo lá, sentado na choça
De bambu, – persianas corridas,
Tudo forrado a chita tosca, –

Do cu limpavas florações
Dignas de Oises extravagantes!...
– Poeta! não são estas razões
Menos risíveis que arrogantes!...


IV

Fala, não das pampas vernais
Negras de medonhas revoltas,
Mas de tabacos, de algodoais!
Fala das colheitas exóticas!

Não curtes Febo que te curta,
Mas diz a cotação em dólares
De Pedro Velasquez, em Cuba;
Caga p’ra os Cisnes aos magotes

Que avançam no mar de Sorrento;
Do entulho abatido dos mangues
Que ondas e hidras vão remexendo
Sejam tuas estrofes reclames!

No bosque em sangue a quadra afunda,
Falarás aos teus Semelhantes
De assuntos vários: dos açúcares,
De borrachas e pectorantes.

Saibamos por Ti se os dourados
Dos Picos nevados, nos Trópicos,
São obra de insetos poedastros
Ou de líquenes microscópicos.

Caçador, tens de descobrir
Umas garanças perfumadas
Que a Natura faça eclodir
Em calças! – p’ra as Forças Armadas!

Encontra, no Bosque com sono,
As Flores, com ar de focinho,
Que babujam pomadas de ouro
Em Bisões de pelo sombrio!

No Azul dos prados loucos onde
Treme a prata das pubescências,
Encontra Cálix cheios de Ovos
Cozendo em fogo entre as essências!

Encontra esses Cardos lanosos
Que dez asnos de olho a brilhar
Trabalham fiando os seus nós!
E Flor’s p’ra a gente se sentar!

– Acha no imo dos negros veios
As Flor’s quase pedras, – famosas! –
Que em seus duros, louros ovários,
Têm amígdalas gemosas!

Tu podes servir-nos, Farsante,
Em prata de extremo requinte,
Ragus de Lírios tão picantes
Que roem talher’s de Alfenide!


V

Alguém falará do Amor lato,
Ladrão de Indulgências obscuras:
Mas nem Renan, nem Murr (o gato)
De Azuis Tirsos viram alturas!

Os nossos torpores perfuma,
Faz funcionar as histerias;
Exalta-nos até canduras
Mais cândidas do que as Marias…

Comerciante! colono! médium!
Tua Rima brote, rosa ou branca,
Como uma emanação de sódio,
Como um caucho que se derrama!

Dos teus negros Malabarismos,
Refrações verbais em paletas,
Se evadam flores de prodígio
Com elétricas borboletas!

Aí está! é o Século do inferno!
E vão os postes telegráficos,
– Liras feitas p’ra cantar ferro,
Ornar teus ombros empolados!

– Rima, sim, uma explicação
Para o mal que afeta as batatas!
– E ainda, p’ra a composição
De Poemas cheios de charadas

Que a gente leia de Tréguier
A Paramaribo, visita
Os tomos do senhor Figuier,
Que o senhor Hachette publica!

        Alcides Babouce

(ou seja, Arthur Rimbaud)

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