terça-feira, 20 de setembro de 2016

Após a apanha da maçã

Ainda as hastes da longa escada rompem a árvore
Na direção do Céu,
Permanece um barril que não se encheu
A seu lado, e talvez em qualquer ramo
Penda por colher alguma maçã.
Mas chega de colheita para já.
Há na noite a essência da hibernação,
Cheira a fruta: começo a adormecer.
Tenho agarrada aos olhos a impressão
Sentida ao ver a relva encanecida
Através da película de gelo
Que retirei da água de uma tina.
Ao derreter, deixei-a estilhaçar-se.
Antes, porém, de ela cair,
‘stava eu já a caminho de dormir,
Podendo pressentir
A forma que o meu sonho ia tomar.
Maçãs vão e vêm, descomunais,
Mostram com toda a nitidez
Os seus menor’s recantos e sinais.
Sinto ainda o meu pé a lastimar
A pressão que um degrau nele exerceu.
E sinto que a escada está mal assente.
E continuo a ouvir vindo da adega
O inconfundível escarcéu:
A maçã chega até se dizer chega.
Porque já tive a minha dose
De apanha de maçãs. Já me cansei
Da grande colheita que ambicionei.
Todo um pomar na sua apoteose
Em mãos lutando p’ra nada perder:
Pois qualquer
Fruto que à terra caia,
Mesmo que a colisão não o machuque,
Ficará, sem valor, ao abandono
Na pilha à sidra reservada.
Percebe-se que tal perturbe
O sono que há de vir, seja el’ qual for.
Se ainda estivesse aqui,
A marmota diria o seu teor,
Se é vasto sono como descrevi,
Se mais humano sono.


Robert Frost

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