terça-feira, 6 de setembro de 2016

O peixe

Apanhei um peixe tremendo
e ergui-o junto ao barco
metade fora da água, com o anzol
fixo num canto da sua boca.
O peixe não lutou.
Nem tinha lutado nada.
Só o seu peso gemia,
maltratado e venerando
e tosco. Aqui e ali
pedaços da sua pele pendiam
como velho papel de parede,
e o seu padrão de castanho mais escuro
era mesmo como papel de parede:
formas de rosas abertas
que o tempo tinha sujado e desbotado.
Estava crivado de cracas,
de delicadas rosetas de cal,
e infestado de piolhinhos brancos,
e por baixo pendiam
dois ou três farrapos de alga verde.
Enquanto as suas guelras inspiravam
o terrível oxigénio
– as guelras assustadoras,
estaladiças e frescas de sangue,
que podem fazer cortes tão dolorosos –
lembrei-me da sua carne branca
grosseira como penas em lata,
das grandes e pequenas espinhas,
dos negros e vermelhos dramáticos
das suas entranhas luzidias,
e da bexiga natatória cor-de-rosa
como uma grande peónia.
Olhei para os seus olhos
que eram bem maiores que os meus
mas mais profundos, e amarelecidos,
com as íris recuadas e como que embaladas
em papel de alumínio manchado
vistas através de umas lentes
feitas em cola de peixe já gasta.
Mexeram-se um pouco, mas não
para responder ao meu olhar fixo.
– Foi mais como o inclinar
de um objeto na direção da luz.
Admirei a sua face carrancuda,
o mecanismo do maxilar,
o que me levou a reparar
que do seu lábio inferior
– se àquilo se podia chamar lábio –
sinistro, húmido, bélico,
pendiam cinco velhos pedaços de linha de pesca,
ou quatro e uma sediela
trazendo o destorcedor ainda preso,
com todos os seus grandes anzóis
firmemente espetados na boca.
Uma linha verde, puída na extremidade
em que fora cortada, duas linhas mais pesadas,
e um delgado fio negro
ainda encrespado da tensão que o rompera
e deixara o peixe fugir.
Como medalhas com as suas fitas
puídas e trémulas,
uma barba de cinco pelos de sabedoria
arrastando-se desde o maxilar dorido.
Olhei e voltei a olhar
e uma vitória encheu até à borda
o barquinho que eu alugara,
desde o charco de imundície no porão
onde o óleo tinha espalhado um arco-íris
em torno do motor enferrujado
até ao laranja enferrujado do balde,
aos bancos rachados pela exposição ao sol,
aos toletes nas suas cordas,
aos limites do barco – até tudo ser
arco-da-aliança, arco-da-aliança, arco-da-aliança!
E eu deixei o peixe ir à confiança.


Elizabeth Bishop

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